Nos
últimos dias uma equipa da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA)
confirmou a nidificação de painho-da-madeira no Ilhéu de Vila Franca do Campo
no seguimento dos trabalhos que têm vindo a ser realizados nesse local para
acompanhamento e conservação da colónia de aves marinhas aí existente.
O
painho-da-madeira (Hydrobates castro) é uma pequena ave, de tamanho e cor
semelhante a um melro (19-21cm) razão pela qual era conhecido como
melro-da-baleia. Tem um comportamento marcadamente pelágico passando grande
parte do seu ciclo de vida em mar alto, característica comum às espécies da
família procellariidae a que pertence, das quais a espécie mais conhecida é o
emblemático cagarro (Calonectris borealis). Apresenta uma
distribuição alargada no Atlântico, distribuindo-se por todo o território
português (arquipélagos das Berlengas, dos Açores e da Madeira). Nos Açores a
sua nidificação está confirmada no ilhéu do Topo (ilha de S. Jorge), nos ilhéus
do Carapacho e da Praia (ilha Graciosa) e no ilhéu da Vila (ilha de S. Maria).
Embora haja suspeitas de nidificação na ilha das Flores e no Corvo, estas ainda
estão por confirmar. Nestes locais, a sua identificação é complicada pela
inacessibilidade dos locais em que nidificam e também pela presença de uma
espécie aparentada, o painho-de-monteiro Hydrobates monteiroi (a
única ave marinha endémica dos Açores, não existindo em outro local do
planeta), uma vez que em setembro/outubro podem sobrepor-se. No entanto, este
ano a nidificação deste último foi confirmada nas Flores no âmbito do projeto
LIFE EuroSAP, já no Corvo as suspeitas mantém-se, apesar das vocalizações
ouvidas nos ilhéus da Ponta do Marco. Ambos os painhos nidificam em pequenas
cavidades ou em fendas nas rochas em ilhas e ilhéus sem predadores
introduzidos. A sua observação é difícil durante o dia, sobretudo a partir de
costa, sendo mais fácil a sua deteção ao final do dia, quando regressam aos
ninhos durante a noite.
Segundo
Carlos Silva, assistente técnico da SPEA, “...há testemunhos de nidificação de
painho-da-madeira no ilhéu de Vila Franca do Campo nos anos 90, mas suspeita-se
que a presença de roedores no final do século XX tenha levado ao seu desaparecimento.”
Entre 2009
a 2012, o ilhéu de Vila Franca do Campo foi alvo da implementação de algumas
das ações do projeto LIFE “Ilhas Santuário para as Aves Marinhas” (que decorreu
também no Corvo) com o objetivo de estudar o impacto das espécies invasoras nas
aves marinhas. O projeto foi coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo
das Aves, em parceria com o Governo Regional, a Câmara Municipal do Corvo, a
Royal Society for the Protection of Birds, o Clube Naval de Vila Franca do
Campo e a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. Muitas foram as ações
desenvolvidas para melhorar as condições de habitat das aves marinhas
pelágicas, desde o controlo de cana e de outras espécies de plantas invasoras,
plantação de plantas endémicas, instalação de ninhos artificiais para
painhos-da-madeira e frulhos (Puffinus
lherminieri), assim como, a monitorização da população de cagarro, escutas
noturnas para detetar a presença destas aves e a monitorização de roedores.
Carlos
Silva refere que “A erradicação de roedores do ilhéu, realizada pelo Parque
Natural de São Miguel ainda antes do início do projeto, foi provavelmente o
fator chave para o regresso do painho-da-madeira. Anualmente verifica-se a
eventual presença de roedores 2 a 3 vezes por ano com um sistema de cubos de
parafina não tóxico, porque o risco de reintrodução é elevado, não só pela
oportunidade de terem “boleia” do intenso tráfego marítimo, bem como, por os
ratos terem a capacidade de nadar uma distância até 2km… e o ilhéu de Vila
Franca do Campo está apenas a cerca de 500 metros da orla costeira de São
Miguel”.
A primeira
deteção de painho-da-madeira no ilhéu de Vila Franca do Campo pelos técnicos da
SPEA ocorreu em outubro de 2010 e nos anos seguintes a espécie foi detetada
ocasionalmente, sendo provavelmente aves prospetoras em busca de novos locais
de nidificação.
O técnico
explicou que “...desde 2013 suspeitamos da elevada probabilidade de
nidificação. Os painhos-da-madeira foram detetados durante toda a sua época de
reprodução, que decorre de outubro a fevereiro. Durante o inverno de 2014 e
2015, foram investidos esforços na localização de ninhos nas encostas do ilhéu.
Descemos com o auxílio de cordas todas as vertentes rochosas do ilhéu tentando
localizar indícios e ninhos, buscas que se revelaram infrutíferas, pelo que
optamos por recorrer a outra abordagem metodológica, através do método de
marcação-recaptura com recurso a redes de anilhagem com o qual obtivemos
sucesso a semana passada, uma vez que reuniram-se as condições para o teste
desta abordagem, tendo sido capturados 7 indivíduos nos quais foi observada
pelada de incubação (ausência de penas no ventre da ave, permitindo uma maior
transferência de calor na incubação do ovo e indicando que a ave está a chocar
o ovo), confirmando-se assim a nidificação. Esta característica só é evidente
com a ave na mão...”.
Esta ação
só foi possível com a colaboração do Clube Naval de Vila Franca do Campo e do
Parque Natural de Ilha de São Miguel, e permitiu à equipa da SPEA comprovar a
nidificação desta pequena ave, ainda que o número de aves capturado em duas
noites de amostragem tenha sido reduzido, a pelada de incubação presente em
todos os indivíduos encheu a equipa de satisfação “...as nossas suspeitas foram
confirmadas e podemos afirmar que o painho-da-madeira regressou ao ilhéu,
alargando assim a sua atual área de distribuição”.
Segundo a
SPEA “O trabalho no ilhéu não pode ficar por aqui. Os próximos passos passam
por efetuar a estimativa populacional para esta espécie e melhorar as condições
de nidificação. Estas ações devem agora ser integradas no atual plano de
conservação do ilhéu de Vila Franca do Campo”.
O
painho-da-madeira está classificado como vulnerável no Livro Vermelho
dos Vertebrados de Portugal e segundo a Birdlife International, a tendência
populacional da espécie encontra-se em declínio. Nos Açores, a sua população
tem sido monitorizada no ilhéu da Vila e ilhéu da Praia pelo Departamento de
Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, em colaboração com os parques
naturais. A espécie não tem sido alvo de ações diretas de conservação no
entanto estão a decorrer diferentes ações de conservação (controlo/erradicação
de plantas invasoras e erradicação de mamíferos invasores) para outras aves
marinhas em diferentes ilhéus por parte de diferentes entidades (parques
naturais e Universidade dos Açores), o painho-da-madeira acaba por beneficiar
destas ações uma vez que partilha problemas e soluções com as restantes aves
marinhas nidificantes nos Açores.
Este
regresso ao Anel da Princesa é mais uma jóia a acrescentar ao potencial do
ilhéu e das ações que aí tem sido desenvolvidas para recuperar este habitat
tornando-o novamente mais adequado aos seus habitantes primordiais, conciliando
desta forma o seu usufruto de forma sustentável, de modo, a desempenhar o papel
de santuário para as aves marinhas que aí nidificam em ligação com a população
que o visita.