terça-feira, 22 de novembro de 2016

Paínho-da-Madeira volta ao Ilhéu de Vila Franca do Campo

Nos últimos dias uma equipa da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) confirmou a nidificação de painho-da-madeira no Ilhéu de Vila Franca do Campo no seguimento dos trabalhos que têm vindo a ser realizados nesse local para acompanhamento e conservação da colónia de aves marinhas aí existente.


O painho-da-madeira (Hydrobates castro) é uma pequena ave, de tamanho e cor semelhante a um melro (19-21cm) razão pela qual era conhecido como melro-da-baleia. Tem um comportamento marcadamente pelágico passando grande parte do seu ciclo de vida em mar alto, característica comum às espécies da família procellariidae a que pertence, das quais a espécie mais conhecida é o emblemático cagarro (Calonectris borealis). Apresenta uma distribuição alargada no Atlântico, distribuindo-se por todo o território português (arquipélagos das Berlengas, dos Açores e da Madeira). Nos Açores a sua nidificação está confirmada no ilhéu do Topo (ilha de S. Jorge), nos ilhéus do Carapacho e da Praia (ilha Graciosa) e no ilhéu da Vila (ilha de S. Maria). Embora haja suspeitas de nidificação na ilha das Flores e no Corvo, estas ainda estão por confirmar. Nestes locais, a sua identificação é complicada pela inacessibilidade dos locais em que nidificam e também pela presença de uma espécie aparentada, o painho-de-monteiro Hydrobates monteiroi (a única ave marinha endémica dos Açores, não existindo em outro local do planeta), uma vez que em setembro/outubro podem sobrepor-se. No entanto, este ano a nidificação deste último foi confirmada nas Flores no âmbito do projeto LIFE EuroSAP, já no Corvo as suspeitas mantém-se, apesar das vocalizações ouvidas nos ilhéus da Ponta do Marco. Ambos os painhos nidificam em pequenas cavidades ou em fendas nas rochas em ilhas e ilhéus sem predadores introduzidos. A sua observação é difícil durante o dia, sobretudo a partir de costa, sendo mais fácil a sua deteção ao final do dia, quando regressam aos ninhos durante a noite.


Segundo Carlos Silva, assistente técnico da SPEA, “...há testemunhos de nidificação de painho-da-madeira no ilhéu de Vila Franca do Campo nos anos 90, mas suspeita-se que a presença de roedores no final do século XX tenha levado ao seu desaparecimento.”

Entre 2009 a 2012, o ilhéu de Vila Franca do Campo foi alvo da implementação de algumas das ações do projeto LIFE “Ilhas Santuário para as Aves Marinhas” (que decorreu também no Corvo) com o objetivo de estudar o impacto das espécies invasoras nas aves marinhas. O projeto foi coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, em parceria com o Governo Regional, a Câmara Municipal do Corvo, a Royal Society for the Protection of Birds, o Clube Naval de Vila Franca do Campo e a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. Muitas foram as ações desenvolvidas para melhorar as condições de habitat das aves marinhas pelágicas, desde o controlo de cana e de outras espécies de plantas invasoras, plantação de plantas endémicas, instalação de ninhos artificiais para painhos-da-madeira e frulhos (Puffinus lherminieri), assim como, a monitorização da população de cagarro, escutas noturnas para detetar a presença destas aves e a monitorização de roedores.

Carlos Silva refere que “A erradicação de roedores do ilhéu, realizada pelo Parque Natural de São Miguel ainda antes do início do projeto, foi provavelmente o fator chave para o regresso do painho-da-madeira. Anualmente verifica-se a eventual presença de roedores 2 a 3 vezes por ano com um sistema de cubos de parafina não tóxico, porque o risco de reintrodução é elevado, não só pela oportunidade de terem “boleia” do intenso tráfego marítimo, bem como, por os ratos terem a capacidade de nadar uma distância até 2km… e o ilhéu de Vila Franca do Campo está apenas a cerca de 500 metros da orla costeira de São Miguel”.

A primeira deteção de painho-da-madeira no ilhéu de Vila Franca do Campo pelos técnicos da SPEA ocorreu em outubro de 2010 e nos anos seguintes a espécie foi detetada ocasionalmente, sendo provavelmente aves prospetoras em busca de novos locais de nidificação.

O técnico explicou que “...desde 2013 suspeitamos da elevada probabilidade de nidificação. Os painhos-da-madeira foram detetados durante toda a sua época de reprodução, que decorre de outubro a fevereiro. Durante o inverno de 2014 e 2015, foram investidos esforços na localização de ninhos nas encostas do ilhéu. Descemos com o auxílio de cordas todas as vertentes rochosas do ilhéu tentando localizar indícios e ninhos, buscas que se revelaram infrutíferas, pelo que optamos por recorrer a outra abordagem metodológica, através do método de marcação-recaptura com recurso a redes de anilhagem com o qual obtivemos sucesso a semana passada, uma vez que reuniram-se as condições para o teste desta abordagem, tendo sido capturados 7 indivíduos nos quais foi observada pelada de incubação (ausência de penas no ventre da ave, permitindo uma maior transferência de calor na incubação do ovo e indicando que a ave está a chocar o ovo), confirmando-se assim a nidificação. Esta característica só é evidente com a ave na mão...”.

Esta ação só foi possível com a colaboração do Clube Naval de Vila Franca do Campo e do Parque Natural de Ilha de São Miguel, e permitiu à equipa da SPEA comprovar a nidificação desta pequena ave, ainda que o número de aves capturado em duas noites de amostragem tenha sido reduzido, a pelada de incubação presente em todos os indivíduos encheu a equipa de satisfação “...as nossas suspeitas foram confirmadas e podemos afirmar que o painho-da-madeira regressou ao ilhéu, alargando assim a sua atual área de distribuição”.

Segundo a SPEA “O trabalho no ilhéu não pode ficar por aqui. Os próximos passos passam por efetuar a estimativa populacional para esta espécie e melhorar as condições de nidificação. Estas ações devem agora ser integradas no atual plano de conservação do ilhéu de Vila Franca do Campo”.

O painho-da-madeira está classificado como vulnerável no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal e segundo a Birdlife International, a tendência populacional da espécie encontra-se em declínio. Nos Açores, a sua população tem sido monitorizada no ilhéu da Vila e ilhéu da Praia pelo Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, em colaboração com os parques naturais. A espécie não tem sido alvo de ações diretas de conservação no entanto estão a decorrer diferentes ações de conservação (controlo/erradicação de plantas invasoras e erradicação de mamíferos invasores) para outras aves marinhas em diferentes ilhéus por parte de diferentes entidades (parques naturais e Universidade dos Açores), o painho-da-madeira acaba por beneficiar destas ações uma vez que partilha problemas e soluções com as restantes aves marinhas nidificantes nos Açores.


Este regresso ao Anel da Princesa é mais uma jóia a acrescentar ao potencial do ilhéu e das ações que aí tem sido desenvolvidas para recuperar este habitat tornando-o novamente mais adequado aos seus habitantes primordiais, conciliando desta forma o seu usufruto de forma sustentável, de modo, a desempenhar o papel de santuário para as aves marinhas que aí nidificam em ligação com a população que o visita.

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