A
instalação de uma tenda, para as festas da Semana dos Baleeiros nas
Lajes do Pico, em plena área protegida para as aves, causa grande
preocupação para a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
(SPEA) devido aos impactos causados num ecossistema único e já
bastante fragilizado. A SPEA enviou na passada terça-feira uma carta
à Câmara Municipal das Lajes do Pico, que está a realizar a
intervenção, apontando os vários aspectos que considera estarem a
prejudicar este importante valor natural da ilha do Pico e dos
Açores.
Na
carta enviada, também com conhecimento para as Direções Regionais
do Ambiente e dos Assuntos do Mar, a SPEA refere a importância do local
a nível regional, nacional e europeu, que levou à sua inclusão nas
redes de áreas importantes para as aves, parques naturais e Rede Natura 2000.
(Direitos Reservados - foto de Serge Vialleille) |
A
área tem
um fácil acesso e elevada vulnerabilidade, especialmente devido à
forte pressão urbanística e humana a que está sujeita. No entender
da
associação, deverá ser preservada na sua totalidade e, pelo menos,
recuperados, o mais rápido possível, os locais dentro da área que
num passado recente foram degradados ou destruídos, de modo a
aumentar a resistência destes
habitats naturais à
perturbação que
possa ocorrer.
Também deverão ser implementadas medidas de salvaguarda da área
impedindo a sua degradação e reduzindo os
impactos
sobre a fauna e flora.
Este
é um sítio de importância para várias espécies de aves, tanto
para as nidificantes como para as migratórias. As aves que nidificam
nas zonas costeiras adjacentes, nomeadamente Calonectris
borealis
(cagarro), Sterna
dougallii
(garajau-rosado), Sterna
hirundo
(garajau-comum), usam esta área como zona de repouso e alimentação.
No outono e inverno, esta área representa um ponto de passagem e
descanso de aves migratórias e acidentais, provenientes dos
continentes europeu e americano, sendo importante no contexto
regional para diversas espécies de limícolas, patos e garças
durante a época de migração pós-nupcial (a qual começa em Julho
para algumas espécies de limícolas) e ao longo da época de
invernada.
A Plataforma das Lajes do Pico é o maior spot para a observação de raridades na ilha do Pico (http://azores.avesdeportugal.info/) |
Em
resultado do seu valor para as aves e características naturais
únicas esta área está classificada como Zona de Proteção
Especial (ZPE)
(http://www.horta.uac.pt/projectos/macmar/ogamp/azpepico3.html)
incluída na Rede Natura 2000
(http://natura2000.eea.europa.eu/Natura2000/SDF.aspx?site=PTZPE0024)
e na rede de IBAs nacionais (Zonas importantes para as Aves
-http://ibas-terrestres.spea.pt/pt/mapa-ibas-terrestres/). Faz
igualmente parte do Parque Natural de Ilha do Pico com a
classificação de Área Protegida para a Gestão de Habitats ou
Espécies das Lajes do Pico (PICO07), constituindo parte importante
de uma rede de zonas de protecção nos Açores que inclui
importantes comunidades de aves.
A
SPEA refere ainda que para além da importância para as aves, esta
área apresenta também outras espécies e habitats de elevada
relevância (uma das razões para ser importante em termos de
avifauna) sendo as suas características únicas no contexto regional
e mesmo macaronésico. Neste local encontram-se comunidades de flora
extremamente vulneráveis e de difícil recuperação como é o caso
da Spergularia azorica e de Juncus sp. por esta razão,
esta área está também classificada como Sítio de Interesse de
Conservação (SIC) também integrado na Rede Natura 2000
(http://natura2000.eea.europa.eu/Natura2000/SDF.aspx?site=PTPIC0011).
São habitats propícios ao desenvolvimento de espécies vegetais
protegidas costeiras de valor natural e interpretativo elevado.
Para
Luis Costa, Director
executivo da SPEA,
“a importância desta área deveria ser aproveitada pelo município
das Lajes do Pico como uma mais-valia e não como um obstáculo ao
seu desenvolvimento. Se os valores naturais podem ser por vezes mal
compreendidos pela população, é essencial um trabalho de
sensibilização a vários níveis para reverter essa situação”.
Mesmo a nível económico, a recuperação e conservação deste
local poderá ser mais um motivo de visita para o município e
contribuirá na promoção de uma imagem de sustentabilidade para
quem nos visita, capitalizando a imagem de Natureza associada ao Pico
e aos Açores em geral. A ocorrência durante o Inverno de aves pouco
comuns na Europa é já um atrativo para muitos observadores de aves
que se deslocam aos Açores.
Para
a SPEA, sendo a Semana dos Baleeiros um evento que celebra uma
atividade tão importante para o concelho, e que tem sido apontado
como exemplo de passagem de uma atividade de grande impacto, como a
caça à baleia, para uma atividade de maior sustentabilidade
ambiental com a sua observação, esta seria uma ocasião excelente
para promover um trabalho de sensibilização e divulgação deste
outro valor das Lajes do Pico, quer junto da população local quer
junto dos muito visitantes que aí ocorrem nesta semana.
Porém,
parece que a opção foi desvalorizar a componente natural única do
local em favor de uma componente das festas completamente vulgar, sem
tradição, que se pode encontrar por múltiplos locais em todo o
país nesta altura do ano, e que poderia ser localizada em outros
locais onde não tivesse o mesmo impacto.
Refere
na carta Luis Costa que “por 3 dias de utilização que ninguém se
lembrará ao fim de muito pouco tempo, opta-se por aumentar o impacto
numa zona sensível de características únicas na ilha e na Região,
dificultando cada vez mais a sua recuperação e adiando o trabalho
urgente de sensibilização de quem utiliza ou
pretende utilizar aquela
área para fins contrários à manutenção dos
seus valores naturais”.
Tendo
em conta o referido a SPEA solicitou à CMLP:
-
a mudança do evento previsto para outra área e a imediata
minimização dos impactos causados;
-
a garantia de salvaguarda desta área de eventuais planos futuros que
possam aumentar a sua degradação;
-
o desenvolvimento e implementação de um plano de recuperação
destes habitats, com maior urgência nas áreas degradadas por ação
humana nos últimos anos.
A
SPEA indicou
ainda a total
disponibilidade para, dentro das suas capacidades, colaborar da
melhor forma possível na identificação de medidas que possam
permitir não só a conservação e recuperação desta importante
área, mas também contribuir para a sua divulgação e promoção,
bem como para o usufruto deste local pela população e visitantes de
uma forma sustentável e sem impactos para os importantes valores
naturais presentes.
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